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Não fale de projetos, fale de valor

Gerenciamento de projetos é talvez uma das artes mais antigas praticadas pela humanidade, chamamos de arte pois envolve uma habilidade coordenada para execução de finalidades, realizadas de forma consciente, racional e controlada. O que em outras palavras quer dizer: a execução eficiente de boas práticas de projeto. Existem diversas noções sobre o que é um projeto, e uma das mais difundidas e aceitas é dada pelo PMI: “Um esforço temporário empreendido para criar um produto, serviço ou resultado único” ( PMBOK, 2017). Exemplo desses esforços relatam desde a antiguidade. As pirâmides do Egito, a Acrópole grega ou o próprio coliseu romano são exemplos de projetos.




Outra arte antiga à humanidade é a manufatura, evolução do artesanato, que rega rotas comerciais e interliga nações até hoje. A manufatura nada mais é do que um processo manual para a produção de um produto, de forma cíclica e repetitiva. Na antiguidade os artesões compartilhavam de seus conhecimentos e boas práticas entre si no que era conhecido como guildas.


Olhando para as sociedades antigas, víamos uma grande distinção entre funções. Obras públicas que eram vistas como projetos, ficando sobre encargo de militares, membros da realeza/governo e engenheiros. Enquanto os processo de produção de bens, ficava a cargo de uma outra parte da sociedade, a mesma que cuidava dos burgos - unidades de terra altamente fortificadas - e que cuidavam de produção artesanal e o comércio. As pessoas que se dedicavam a essas atividades ficaram conhecidas como a burguesia.


Tanto a burguesia quanto os militares se valiam da mesma forma de compartilhar conhecimento: por meio de guildas, grupos da sociedade que compartilhavam um mesmo oficio e que compartilhavam as boas práticas da profissão entre si. Era comum que as boas práticas de uma guilda fosse um segredo restrito aos membros da mesma, uma vez que isso daria aos membros vantagens competitivas no mercado. Além de serem um testemunho à qualidade do produto.


Exemplo disso eram as guildas de porcelana, que constantemente clamavam seu renome, disputando a produção mundial. Holandeses, Chineses, Portugueses e até mesmo italianos brigavam por uma liderança nessa área.


Percebia-se portanto que haviam os profissionais dedicados a realizar projetos, e profissionais destinados a realizar produtos. O que diferenciava um do outro, era basicamente dois pontos: complexidade e repetitividade. Sendo que normalmente os profissionais que se dedicavam aos projetos eram conhecidos como engenheiros, ou projetistas.


A própria engenharia era uma profissão intrínseca ao militarismo, até que em 1768 John Smeaton resolveu se auto denominar engenheiro civil, e passou a utilizar dos conhecimentos da engenharia para o bem público - ou civil, como preferir. Essa ruptura pode ser vista como o início da transição do gerenciamento tradicional, milenar, marcado por uma forte hierarquia funcional do exército, para um gerenciamento mais humano e também urbanizado.


John Smeaton seguiu a lógica da revolução industrial, prezando portando pela especialização. Fator semelhante ocorreu no século XX, com o surgimento de movimentos modernistas, como a Bauhaus, The Stijl e Le Modulor, onde Arquitetos ou Designers (projetistas) visavam uma abordagem mais artística sobre o seu trabalho, com uma filosofia bem definida e com uma abordagem versátil às demandas da sociedade. Surge então a ideia de uma nova arquitetura, e com ela um novo profissional.


Do Bauhaus surge talvez uma das primeiras técnicas modernas dos métodos ágeis: o Design Thinking, cuja as raizes remontam ainda a 1919. Embora o termo só tenha sido mesmo popularizado pela IDEO - uma consultoria de inovação - mais de meio século depois. O Bauhaus surgiu durante a segunda revolução industrial, sendo portando uma consequência do pensamento de especialização e modernização inerentes a essa revolução.


O mesmo acontecia com a área de produtos, que passa a partir da primeira revolução industrial a gozar de um sistema industrial fabril, produção em massa, divisão de funções de trabalho e introdução de normas e padrões trabalhistas. Até que as indústrias passaram a entender processos como algo intrínseco à de produção de qualidade. Criando talvez a noção moderna de processo com um uso sequencial de atividades que utiliza de insumos “entradas” para produzir insumos de “saída”.


O auge desse sistema, ou sua síntese se dá com o Fordismo, processo produtivo extremamente focado na especialização, padronização e no uso de normas para o processo produtivo. Henry Ford foi o pai desse processo que influenciou gerações e impulsionou o processo de industrialização norte americana.


Já durante a primeira guerra mundial percebe-se um aumento substancial das atividades fabris, em parte impulsionada pela fabricação de munições e também de comida enlatada. Já durante a segunda guerra mundial percebe-se que a qualidade foi considerada uma vantagem para o campo de batalha, com os EUA forçando seus fornecedores a se valer de técnicas como o Controle de qualidade estatístico, para garantir a segurança do armamento.


Após a segunda guerra mundial governos e empresas começaram a procurar formas mais eficientes de utilizarem seus recursos, devido à falta dos mesmos no pós guerra. Surge então uma demanda muito grande por novas formas de gerenciamento, em 1956 a Dupont cria o modelo do Caminho Crítico, muito utilizado no gerenciamento de projetos tradicional, seguido pela criação da Nasa em 58 e do PERT (program evaluation review) da marinha dos estados unidos, ambos focados na análise de projetos.


Ao mesmo tempo os japoneses passaram a ser influenciados por especialistas da qualidade como Joseph Juran e Edward Demming, o que causou no país uma revolução da qualidade e expansão da atividade industrial.


Começa então a briga entre as gigantes das montadoras de veículos, com a Toyota entrando no mercado norte americano em 57, Honda se tornando a líder em fabricação de motocicletas e General Motors passando a Ford. Muito do sucesso dessas montadoras se deu ao uso do gerenciamento da qualidade. Percebe-se que boa parte da noção de processo envolvia hierarquias matriciais, com função dinâmica e alta capacidade de resposta.


Os japoneses passam então a gozar de prestigio no sistema produtivo, em grande parte impulsionados pelo Toyotismo, que trouxe várias revoluções para o setor como a ideia de Lean, Just-in-Time, Kaizen, 5s e Kanban. Colocando a marca como uma das líderes de mercado, e o Japão como um dos países referência em gerenciamento de qualidade.


Foi também depois de alguns anos, pela década de 60, que começaram a se formar os primeiros institutos de gerenciamento de projeto, como o IPMA (fundado em 64), e o PMI (fundado em 69). Nessa mesma época algumas partes do mundo viviam regimes militares (Russia, Brazil, Argentina, Portugal, Espanha, China e Cuba) e grandes tensões provenientes desses regimes assombrava o mundo, e refletia por consequência no modelo de gerenciamento da época, ou seja: a estrutura funcional (hierarquia top-down) ainda predominava embora setores industriais como o automobilístico, já dessem indícios que uma economia mais especializada - e portanto projetizada, fosse mais eficientes.


Ao mesmo tempo o mundo começa a enxergar gigantes de tecnologia surgirem da noite para o dia, a Intel nascendo em 1968 e impulsionando a Microsoft e a Apple em 1975 foram exemplos da ascensão dessas gigantes de tecnologia, e o mundo começa a viver o início daquilo que seria a Terceira Revolução industrial, essa nova revolução regada pelo acesso rápido à informação, conhecimento disseminado e ambiente de baixa hierarquia, viviam e ainda vivem um fervilhar de informações, comparados por muitos a um vulcão com o acronimo VUCA: Volátil, Incerto (do inglês: uncertain), Complexo e Ambíguo.


Nesse novo mundo incerto a mudança é uma realidade, e previsão dos acontecimentos do projeto são com frequência esforços desperdiçados, o que pedia portando uma nova forma de se gerenciar projetos. Assim 17 anos depois da fundação do PMI Takeuchi e Nonaka deram origem ao Scrum, um dos métodos de gerenciamento Ágil mais difundidos na atualidade. O Scrum possui forte influência do Lean e do Kanban, metodologias de gerenciamento da qualidade muito utilizado em processos industriais.


Lean significa enxuto, e é com essa função que surge o Scrum: a de ser uma opção mais simples, e ainda assim poderosa, para gerenciar a alta complexidade dos projetos.


Na mesma Época de criação dos primeiros conceitos do scrum, surge também o Six Sigma, como metodologia de qualidade implementada na Motorola, que tinha como objetivo obter uma dimensão de 6 sigma de defeitos, ou seja: 3.4 defeitos por milhão ou uma chance de 99.99966% de se ter um processo livre de defeitos.


Ao mesmo tempo a resposta norte americana ao gerenciamento de qualidade surge no formato do Total Quality Managemnet – TQM , também criado por Deming, colocando o foco da qualidade na percepção do cliente, criando maior alinhamento entre todas as esferas da organização, colocando os diretores das organizações como principais responsáveis pela qualidade e entendendo o gerenciamento da qualidade como algo cíclico e contínuo.


Nessa época surgiam diferentes métodos de gerenciamento de projetos, que visavam basicamente a postura de dono pregada pelo TQM, entendendo que as mudanças precisavam ser incrementais ao invés de planejadas para serem entregues todas de uma única vez. Esses métodos eram conhecidos como métodos leves, por conta da simplicidade e leveza em que eram baseados.


É interessante notar que o Scrum como experiência documentada só foi registrado mesmo em livro em 1995 por Jeff Sutherland e Ken Schwaber. Enquanto o primeiro PMBOK - guia do PMI para gerenciamento de projetos, só foi surgir em 1996.


Esse último fato é relativamente importante pois é comum profissionais que se utilizam de métodos ágeis defenderem tal método com base em críticas ao “Waterfall" ou “Cachoeira" (cujo tom pejorativo deriva justamente da simbologia do gráfico de Gantt), nesses métodos uma etapa só começa quando todas as etapas prévias já foram executadas, o que dá uma ideia de rigidez, e travamento, muito longe do fluxo de produção proposto por Gantt.


Foi apenas em 2000 que um grupo de especialistas em projetos se juntou e criou o manifesto ágil, dando início portanto à mudança de paradigma no gerenciamento de projetos, e criando uma nova forma de atuar em projetos. Tais metodologias possuem uma raiz muito forte no setor de tecnologia, pois é onde começou a terceira revolução, porém com o passar do tempo cada vez mais profissionais tem percebido que é possível se adaptar e utilizar de tais metodologias para outras ciências, e cada vez mais frameworks tem aparecido no mercado, visando cobrir as lacunas presentes em outros setores da sociedade.


Por muito tempo a humanidade viu sua capacidade produtiva limitada pelas ferramentas que tinha à sua disposição. Os meios de produção eram locais e as os projetos de alta complexidade levavam anos para serem realizados. Com o avanço da tecnologia, passamos a ter uma produção em massa, sendo lançados em um dia, e serem sucesso mundial no outro. Ao mesmo tempo que os projetos de grande complexidade se tornam cada vez mais simples com a análise computacional.


Passamos então a confiar a complexidade matemática de alguns tipos de projetos à computação, tornando-os mais simples, ao mesmo tempo que passamos a dar muito mais importância à opinião do usuário, e começamos a adicionar complexidades que antes eram inimagináveis à noção de criação de produto, como a própria jornada do consumidor.


O que temos visto então a distância entre projetos, processo, produto e qualidade tem cada vez mais sido encurtadas graças ao avanço da tecnologia. A própria construção civil que hoje ainda é muito baseada em processos artesanais, pode virar um processo produtivo assim que start-ups de impressões de casa tornarem-se escaláveis.


Percebemos então que falar de projeto ou de qualidade de produto já deixam de fazer sentido para a sociedade moderna, e passa-se então a falar de algo mais abrangente e que possa de fato englobar toda a complexidade que essas áreas possuem. Por isso agora quando falamos do usuário, nós não pensamos mais em projetos, serviços, produtos ou processos, mas sim em Valor.

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